APENAS MAIS UM ENTRE BILHÕES
É
preciso usar a imaginação para compreender. Um garoto que descobria o mundo que
o cercava com a mente limpa e o coração aberto. Desde cedo teve despertado seu
amor pela leitura. Poderia ser o que quisesse na vida: médico, policial, um
artista, quem sabe até mesmo um astronauta! Existiam milhões de escolhas diante
daquele garoto. Pode-se dizer que ele era um com o universo. Entretanto, em um
mundo riquíssimo de experiências, lhe foi apresentado um outro mundo: O mundo
da religião. Quase sempre introduzido (ou seria implantado?) por aqueles que
deveriam nos proteger.
Em
pouco tempo aquela realidade colorida e abarrotada de conhecimentos novos a
adquirir deu espaço para uma realidade fantasiosa, em conflito com o mundo em
volta. Nela existiam animais falantes, gigantes, genocídios sagrados, medo do
invisível, expectativa de castigo, obediência cega, alienação sobre o
conhecimento e separação dos infiéis. Há de se fazer um esforço tremendo para
encaixar as demais experiências seculares que se seguiam dentro daquela
caixinha de mentiras. Em nome da religião se abraça a intolerância, o
preconceito, o machismo, a ignorância, a homofobia, a degradação da mulher, o
medo e muitos outros fantasmas que rondam a humanidade desde seu início.
Mas
é um mundo de fantasia! Nele se espera um futuro sem dor em um reino com ruas
de ouro. Acredita-se que a fidelidade terrena renderá muitos méritos no porvir.
Aos campeões, tudo. E aos outros? Um tormento eterno, com direito as mais
horripilantes torturas e o desprezo dos que estarão numa “boa”. E cá penso eu:
Como pode uma religião criticar outra, se no final todas elas pregam a
destruição de seus inimigos? Qual seria a diferença entre um cristão que morre
queimado diante de um Estado Islâmico e um muçulmano que queimará para sempre
no inferno? Uma religião apenas apressou o que a outra espera pacientemente. Se
bem que o cristianismo já teve seus momentos de poder e inquisição. Porém tanto
um quanto outro não dão a mínima para o que acontecerá aos seus infiéis. Em
nome de suas religiões, o sofrimento do outro é anulado, inverte-se o sentido
do amor. Ao entrar nesse mundo de fantasia, aquele garoto presenciou sua
separação interna. Agora eram dois – o religioso e o natural.
O
garoto religioso cresceu enquanto o outro permanecia sentado em um canto escuro.
Estudou Teologia, formou-se e ensinava sobre seu mundo de fantasia a outros.
Sempre com aquele tom de verdade irrefutável e autoridade que vinham do alto.
Mas como se esquecer do outro garoto? Sua chama interna pela verdade crescia a
cada dia, tornando insuportável a convivência dentro de um mesmo corpo. Não
havia harmonia entre a Ciência e a religião. Aquela disparidade envergonhava a
um e alimentava o outro. Por mais que tentasse, não havia como entender o mundo
real através das fábulas religiosas. Não dava mais para continuar naquele
caminho. Ou assumia suas dúvidas e se comprometia a buscar respostas
verdadeiras ou mergulharia profundo na fantasia e alienava-se de vez. Os dois
garotos olhavam-se frente a frente, num encontro há muito aguardado.
De
forma bela, o religioso deu lugar ao natural. Agora tudo fazia sentido. A
humanidade era uma só. Ficara fácil de interpretar o mundo. Mesmo imperfeita, a
Ciência oferecia respostas muito mais honestas e verificáveis do que os livros
sagrados. Já não havia dualidade dentro do garoto, pois o religioso
desapareceu. Agora ele compreendia a História; Conseguia sentir-se igual com
todos os demais seres vivos que compartilhavam essa geração com ele; Lutava
contra seus preconceitos internos e vencia-os paulatinamente; Reconhecia a
dignidade e os direitos da mulher, dos homossexuais, dos que pensavam diferente
e de todos os povos e raças humanas; Buscou contribuir para o avanço da
humanidade e lutava pela liberdade de todos. Voltou ao seu estado inicial,
puro, com a curiosidade infantil, cheio de vontade de aprender. Voltou a ser
ateu.